2.

(...) Não era por isso que não se podia considerar feliz. Tinha tudo o que ao longo destes anos pedira inconscientemente; fizera uma lista de desejos que, um por um desapareceram, uns por falta de tempo, outros que acabaram por se realizar, amadurecidos pelo passar dos anos. Ela sabia exactamente o que queria, passava a maior parte do dia a pensar em coisas quase sem importância, distraindo-se até com pensamentos vagos que de vez em quando tratavam de se ocupar da sua mente subconsciente. Ostentava quase sempre uma expressão vazia, e desde que o seu pai morrera, o brilho nos seus olhos tinha desaparecido, como o brilho de uma estrela que morreu lá ao longe. Lembrava-se desse dia como se tivesse sido ontem: recebera a notícia através de um vizinho que irrompera porta adentro esbaforido, como quem foge de um tornado ou qualquer outro desastre natural, e por entre suspiros, lágrimas e esgares de ansiedade, lá acabou por deixar sair de uma vez só as palavras ''o teu pai morreu'' que tanto lhe pesavam o coração. Nesse momento, nesse preciso e exacto momento, coração caiu-lhe aos pés, abriu os olhos e cobriu a boca com as mãos, enquanto suspirava sofregamente e sentia o sangue a pulsar-lhe nas veias, mais rápido que a velocidade da luz. Não queria acreditar. E foi assim que, desde esse momento, ainda tinha a esperança cega de que um dia o seu pai, o seu querido e amado pai havia de voltar da guerra com uma caixa de chocolates (os preferidos dela, como sempre) e um urso de peluche gigante que certamente tentaria compensar aquela sua ausência tão longa e demorada. Mas ele nunca mais vinha. (...)